quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Doença de Chagas.



Em 26 de outubro de 1910, Chagas foi admitido solenemente como membro titular da Academia Nacional de Medicina, onde proferiu uma conferência apresentando seus estudos clínicos e farto material sobre a doença, inclusive imagens cinematográficas feitas em Lassance. No ano seguinte, um evento marcou a divulgação da descoberta e da nova doença no cenário científico internacional. No pavilhão brasileiro da Exposição Internacional de Higiene e Demografia, realizada em Dresden, Alemanha, a doença de Chagas foi apresentada com destaque, despertando grande interesse do público. Tal projeção expressava a importância que o tema assumia como carro-chefe e vitrine das pesquisas do Instituto Oswaldo Cruz. Outro marco importante da repercussão internacional da descoberta foi a conquista, por Chagas, em 1912, do Prêmio Schaudinn, concedido de quatro em quatro anos pelo Instituto de Doenças Tropicais de Hamburgo ao melhor trabalho em protozoologiaSala do pavilhão brasileiro na Exposição Internacional de Higiene e Demografia, realizada em junho de 1911 em Dresden, Alemanha. Dresden, junho de 1911. Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Diploma do Prêmio Schaudinn, conferido a Carlos Chagas pelo Instituto de Moléstias Tropicais de Hamburgo, Alemanha. Hamburgo, 22 jun. 1912. Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Graças à repercussão da descoberta e dos estudos de Chagas, Oswaldo Cruz obteve junto ao governo federal verbas especiais para equipar um pequeno hospital em Lassance, visando sediar os estudos clínicos sobre a nova doença, e para dar início, em Manguinhos, à construção de um hospital destinado às pesquisas e acompanhamento dos casos clínicos identificados no norte de Minas Gerais e em outras regiões do país. Sob a liderança de Chagas e com a colaboração de vários pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (como Gaspar Vianna, Arthur Neiva, Astrogildo Machado, Eurico Villela, Carlos Bastos de Magarinos Torres, entre outros), a nova tripanossomíase passou a ser estudada em seus vários aspectos, como as características biológicas do vetor, do parasito e de seu ciclo evolutivo, o quadro clínico e a patogenia, as características epidemiológicas, os mecanismos de transmissão e as técnicas de diagnóstico. Hospital em Lassance. Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Carlos Chagas e pacientes no Hospital Oswaldo Cruz, em Manguinhos. Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Assumindo centralidade na agenda de pesquisas do Instituto Oswaldo Cruz e no próprio processo de institucionalização da atividade científica no país, a descoberta da doença de Chagas passou a ser tratada pelos contemporâneos e pela memorialística médica, até o presente, como um mito glorificador da ciência brasileira. Uma das considerações que se tornariam mais recorrentes quanto à importância da descoberta como “feito único” da ciência nacional foi o caráter incomum da seqüência sob a qual ela ocorreu, já que se partiu da identificação do vetor e do agente causal para em seguida determinar a doença a eles associada. Outro aspecto singular foi o fato de o mesmo pesquisador haver descoberto, num curto intervalo de tempo, um novo vetor, um novo parasito e uma nova entidade mórbida. A historiografia sobre a descoberta da doença de Chagas ressalta sua inscrição no contexto de afirmação e institucionalização da medicina tropical européia, tanto em função dos referenciais teóricos que a viabilizaram, quanto pela contribuição que a própria descoberta trouxe para a consolidação da nova especialidade médica criada na Inglaterra por Patrick Manson nos últimos anos do século XIX. Sá (2005) aponta, por exemplo, a importância do estudo do T. cruzipara a elucidação de questões relativas à relação parasito-vetor no caso das infecções causadas por tripanossomas. Outro aspecto salientado pelos historiadores é a importância da descoberta como fonte de legitimação, visibilidade e recursos – materiais e simbólicos – para o Instituto Oswaldo Cruz. Stepan (1976), Benchimol e Teixeira (1993) enfatizam que ela propiciou a consolidação da protozoologia como área de concentração das pesquisas na instituição e impulsionou o seu reconhecimento na comunidade científica internacional como renomado centro de investigação sobre doenças tropicais. Kropf (2006) chama a atenção para que se, por um lado, a descoberta contribuiu para dar sentido e reforçar o projeto institucional de Manguinhos, ela própria ganhou sentidos particulares como “grande feito da ciência nacional” em função dos significados associados a este projeto, que se apresentava publicamente como destinado a associar excelência acadêmica e compromisso social em identificar e solucionar os problemas sanitários do país. A Ciência e a Belle Époque na Capital Federal no início do século XX Dominichi Miranda de Sá Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Expansão, 20040361, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: dominichi@coc.fiocruz.br “Os tempos mudaram. (...) A alma e o cérebro do Brasil tomam as feições modernas, as idéias do mundo são absorvidas agora com uma rapidez que pasmaria os nossos avós”. João do Rio, O Momento Literário Nos primeiros anos do século XX, o Rio de Janeiro constituía o grande centro intelectual do Brasil. Sediava o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, a Escola de Belas Artes e a Avenida Central com seus cafés, livrarias, cinematógrafos e confeitarias. Todos esses locais eram pontos de encontro de homens de ciência, homens de letras, jornalistas, artistas, literatos, cronistas, bacharéis, poetas, publicistas, declamadores, escritores, conferencistas, acadêmicos, filólogos, romancistas, oradores, polemistas e prosadores, em suma de ‘intelectuais’; letrados que, a despeito de suas ocupações oficiais como funcionários públicos, políticos, advogados, professores, militares, engenheiros ou médicos, dedicavam-se à criação cultural, à mudança social e à interpretação do momento político do país. A cidade, nessa ocasião, passava por intensa modernização urbana caracterizada pelo aparecimento de novas construções como o Mercado Municipal, o aterro da Praça Quinze, a Praça Mauá, a Avenida do Mangue e a própria Avenida Central, posteriormente denominada Avenida Rio Branco, e pela adoção de símbolos de ‘progresso’ e ‘civilização’ como automóveis, bondes elétricos, reclames, telegrafia, telefones, máquinas de escrever e gramofones. Esses artefatos modernos competiam com a leitura como forma de lazer e aprendizado, encolhiam as distâncias e criavam uma nova percepção do tempo como ‘velocidade’, ‘pressa’ e ‘sede por novidades’. Ainda que a cidade experimentasse remodelações constantes desde a chegada da família real portuguesa em 1808 - como calçamentos, iluminação, construção do Canal do Mangue e expansão do núcleo urbano para São Cristóvão, Catumbi, Rio Comprido, Tijuca, Laranjeiras, Catete, Botafogo e Gávea por meio de bondes, e para Engenho de Dentro, Piedade, Sampaio, Quintino, Méier, Mangueira, Encantado e Madureira por meio de ferrovias - somente com a mudança do regime político em 1889 (que a transformou em capital federal) e as reformas realizadas sob o comando do prefeito Francisco Pereira Passos (1902-1906) se caracterizou o início da chamada Belle Époque no Rio de Janeiro. O embelezamento urbano, ladeado por obras de saneamento e de combate à febre amarela e à varíola, criava uma sensação geral de superioridade e triunfo em relação aos símbolos da tradição colonial portuguesa; sensação que pode ser resumida por um dos grandes lemas do período criado pelo jornalista Figueiredo Pimentel para a sua coluna O Binóculo: “o Rio civiliza-se”. Inovações também ocorriam na imprensa, o mais importante veículo de produção cultural no período, por fornecer as melhores gratificações e posições intelectuais. Tipografias que publicavam jornais e revistas passavam por considerável aperfeiçoamento tecnológico naqueles primeiros anos do século XX, o que possibilitou o aumentou das tiragens dos periódicos e algumas inovações gráficas como o colorido das páginas e o recurso a fotografias, e a introdução de novos gêneros de escrita como a reportagem, a entrevista, os inquéritos, a publicidade e as crônicas. Conferências literárias sobre assuntos diversos eram realizadas no Instituto Nacional de Música, no Cassino e no Teatro Municipal, assim como nos salões das grandes damas e dos casais abastados da cidade. Os salões dos Araújo Vianna, dos Azeredo, dos Sampaio Araújo, de Laurinda Santos Lobo e os saraus promovidos por Coelho Neto, Inglês de Souza, Olavo Bilac, Medeiros e Albuquerque, João do Rio, Alcindo Guanabara, Júlia Lopes e Souza Bandeira eram muito prestigiosos. Integravam a vida mundana da cidade, assim como os banquetes oficiais, a batalha das flores, as recepções, as temporadas teatrais, os pic-nics, os five-o´clock-tea, as praças, os jardins, as lojas de comércio fino, os bailes, os chás dançantes, os concertos ao ar livre, as regatas, as corridas de automóveis, os clubes noturnos, de jogo e de music-hall, os turfes, o foot-ball e os corsos. Na Capital Federal concentravam-se ainda as mais importantes sociedades de letras, periódicos médicos, escolas médico-cirúrgicas, associações de caráter científico e instituições de ensino superior do país, como, por exemplo, o Instituto de Manguinhos (como era então chamado o Instituto Oswaldo Cruz), a Faculdade de Medicina, o Jardim Botânico, o Observatório Astronômico, a Escola Politécnica, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Nacional de Medicina, a Academia Brasileira de Letras, a Sociedade de Geografia e o Museu Nacional. Considerada o principal agente do processo de modernização e civilização do país, a‘ciência’ era também um dos mais importantes e correntes assuntos dos jornais diários e semanários que circulavam no Rio de Janeiro do período. Temas científicos figuravam nas suas chamadas de primeira página, em artigos, editoriais, seções e números especiais. A imprensa noticiava as novas descobertas científicas, as viagens dos cientistas ao exterior, a presença de cientistas estrangeiros no país, suas biografias, perfis e obituários, e ainda costumava realizar entrevistas e reproduzir as palestras, as aulas e os discursos proferidos nas mais prestigiadas instituições da época. Naquela ocasião, acreditava-se, o desenvolvimento social só seria possível por intermédio de uma ampla difusão da ciência, com todas as suas desejáveis implicações morais, civilizatórias, físicas, econômicas e políticas. O espírito de ‘modernização’ e ‘civilização’ que modificava a paisagem da cidade também levou seus intelectuais a criarem novas instituições como a Academia Brasileira de Ciências (1916), a Universidade do Rio de Janeiro (1920) e a Associação Brasileira de Educação (1924) entre outras. Todas elas representavam novos interesses profissionais e novos ideais educacionais. Dentre esses novos interesses profissionais, deve-se salientar a profissionalização da pesquisa experimental no país. Os homens de ciência brasileiros - como eram então chamados os que se formavam e atuavam nas faculdades de medicina, museus de história natural, sociedades científicas, institutos históricos e geográficos, periódicos médicos, escolas médicas, institutos agrícolas e científicos, nas comissões e expedições científicas - discutiram sistematicamente, nos primeiros anos do século XX, a importância da realização da “ciência pura” no Brasil. Em outras palavras, desejavam a criação de universidades para a formação de profissionais especializados que pudessem dedicar-se à realização de estudos e experiências, com liberdade e tempo disponível para pesquisar, ler, participar de congressos nacionais e internacionais. Vale lembrar que, até os anos 1920, não existiam universidades no Brasil e havia poucas instituições, à exceção das citadas acima, nas quais os homens de ciência pudessem se profissionalizar e desenvolver as suas pesquisas com dedicação exclusiva. Todos esses debates ocorridos entre os anos 1910 e 1920 não significam que a ciência brasileira fosse incipiente ou de má qualidade; ao contrário. Os brasileiros participavam das controvérsias e congressos internacionais escrevendo importantes obras e realizando também inovadoras descobertas científicas. O que reforçam na defesa da “ciência pura” era a melhoria das condições institucionais necessárias para, como diziam, a “busca imparcial pela verdade”. E, segundo eles, esse compromisso só poderia ser honrado com a profissionalização das pesquisas e dos estudos científicos e com a especialização da sua formação intelectual. Sendo assim, foi criada, em 1916, a Sociedade Brasileira de Ciências, transformada em 1921 na Academia Brasileira de Ciências (ABC). Entre os seus membros estiveram, dentre outros, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Alberto Betim Paes Leme, Henrique Morize, Alberto Childe, Edgard Roquette-Pinto, Alípio de Miranda Ribeiro, Everardo Backheuser, Arthur Moses, Juliano Moreira, Bruno Lobo, Euzébio de Oliveira, Licínio Cardoso e Amoroso Costa. A Academia incluía nos seus objetivos, além da promoção da dedicação à pesquisa científica, a organização de cursos e conferências de ciências, a criação de universidades no país, a publicação de um periódico e a instituição de prêmios e recompensas para trabalhos originais. E as universidades, nas quais se realizaria a "pesquisa de problemas novos e das questões nacionais ainda não resolvidas" (Revista Ciência e Educação, 1929), se associariam mais especificamente, no entender dos membros da ABC, à promoção do progresso do Brasil, já que, segundo eles próprios, aos cientistas brasileiros caberia a avaliação e a direção da vida social, política, econômica e cultural do país. Esses ideais de especialização intelectual e de profissionalização da pesquisa experimental firmaram uma agenda de debates e de realizações institucionais que foram se consolidando com a participação, com a iniciativa ou a partir das idéias desta geração de cientistas brasileiros que criaram a Academia Brasileira de Ciências: a Universidade do Rio de Janeiro em 1920, a Associação Brasileira de Educação em 1924, o Instituto Nacional de Pesos e Padrões em 1930, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, a Universidade do Distrito Federal em 1935, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em 1948 e o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia em 1951. Oswaldo Cruz e o Instituto de Manguinhos Jaime L. Benchimol


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